Ontem pela manhã, ontem à noite...

Posted by | Posted in | Posted on 2.3.10

Ontem pela manhã enfrentei mais um dia de caos para me locomover para o trabalho, proporcionado pela péssima qualidade do transporte público de São Paulo. Fazer o quê? Acostumado, nem reclamo mais comigo mesmo.

Alguns minutos já dentro do ônibus lotado vi que uma mulher xingava um homem por não ter pedido lincença para passar. O homem pediu desculpas e não falou muita coisa, mas a mulher reclamava insistentemente.

Observei toda aquela cena, não rara, e percebi: Como tudo está funcionando como deveria, não é?

O que foi? Acha que eu estou louco?

Tudo funciona como o sistema dos poderosos querem. Querem que o povo viva em conflito entre suas "classes", mantendo eternos problemas na vida das pessoas para que haja algo que os políticos possam prometer uma solução. Querem estressar o cidadão dentro de um ônibus para que ele deseje comprometer o seu salário com aquele automóvel "popular", o mais visado pelos ladrões. Tudo funciona perfeitamente.

Felizmente aquele homem não retrucou mais, acabou quebrando, mesmo que levemente, o giro das engrenagens do sistema.

(…)

Ontem a noite ao descer do ônibus na Ordem e Progresso, ali na Barra Funda, trombei dois moleques aparentando uns 15 anos ou mais - apesar da cara e a voz de criança, eram do meu tamanho. Quando atravessei a avenida em direção ao ponto de ônibus do lado oposto, percebi que eles estavam exaltados, quase no meio da pista a ponto de serem atropelados, gritando e rindo. O meu olhar curioso foi determinante para que um deles se virasse e dissesse:
- O que que é? Que ce tá olhando? - disse o moleque vindo até mim.

Calmamente terminei de atravessar a avenida e, arrumando minha mochila para colocá-la nas costa, respirei e fiquei calmo. O muleque então colou em mim... Percebi que ele estava esperando uma reação amendrontada da minha parte. Olhei para ele e falei:
- Então cê tá na pegada, né?
Ele, talvez surpreso, riu e disse:
- Ichiii Jão, ó que ele tá falando aqui ó! - Querendo chamar seu amigo, que continuava agitando e assustando uma mulher do outro lado da pista.
Então insisti:
- Cuidado! Fica aí na locura... Toma cuidado, falô?

Como o seu amigo não dera atenção e tinha percebi que em cima de mim não iria virar nada, decidiu pedir um cigarro para uma outra mulher que acabara de chegar ao ponto de ônibus:
- Ô moça, moça! Me arruma um cigarro desse aí?

Ele insistiu e ela pediu para ele esperar. Nesse tempo, inevitavelmente observei o compartamento do garoto que ainda chamou mais uma vez seu amigo:
- Ô! Me chama pra assaltar e fica aí moscando seu loco? - Reclamou.

Depois de quase um minuto a mulher deu seu cigarro ao moleque que chamou o amigo novamente:
- Vamo, vamo pro ponto da ponte que eu vou assaltar o primeiro maluco que descer lá!

Observei os dois que saíram correndo e fiquei com um sentimento de que a minha conversa com aquele garoto poderia ter sido mais profunda do que um simples "E aí, beleza?".

Não sei dizer se o que eles estavam fazendo ali era realmente tentarem assaltar alguem. Pareciam-me dois moleques que tentavam imitar um jeito malandro, sem muito dom pra coisa, sabe?. Quem sai na captura de um trocado, normalmente não dá tanta pala, age mais na moral, na miúda. A não ser se eles estivessem na loucura - como falei para um deles - muito louco de algum barato.

É, mas o sistema quer justamente isso. Quer que eu pare para julgá-los como delinquentes, marginais, bandidos, noias, vagabundos, etc. O sistema quer ver eu contra eles e eles contra mim. O povo contra o povo.

Estamos todos no mesmo barco onde cada um utiliza o seu remo para agredir o outro, o que nos faz navegar conforme o fluxo do sistema. Temos que remar contra essa maré que nos leva ao nada cada vez mais.

Mas como agir de outra maneira quando um garoto tenta assaltar você? Quando outro cara rouba seu carro? Quando alguém fura a fila a qual você está horas? Quando alguém esbarra em você no ônibus? Como resistir à tentação de fazer um roubo para ter aquilo que custa tão caro para alguém que não tem emprego? Como negar a oferta de um trampo para levar um barato ali rapidão, sem esforço, e ganhar bem por isso?

Alguém aí tem a fórmula para não cair nessa armadilha?

Deixe seu Comentário

Comments (0)

Postar um comentário

Pode discordar de tudo que está aqui, essa é a proposta. Refletir sobre questões que o sistema não quer que pensemos. Eles nos querem quietos e obedientes.

Portanto, não fique quieto. Participe, comente!